É Natal novamente…

Eu achei que não seria capaz de escrever sobre isso, mas eu preciso tirar isso do meu coração, da minha cabeça. Porque foram dias difíceis, talvez mais do que sem você aqui, mãe. É duro imaginar sobre o segundo natal sem você, não tem sido fácil sabe, o primeiro Natal foi estranho, sinto que mesmo que eu estava no mesmo lugar de sempre, era diferente e dessa vez vai ser mais estranho ainda e sei que a dor vai diminuindo, mas nesses últimos meses ela cresceu e a falta que eu sinto de voce todos os dias, ela só aumentou.

Eu demorei pra colocar isso no papel, pra tirar da minha cabeça todas as cenas, memórias e situações que passamos, mas tem sido doloroso demais manter isso aqui dentro, tem sido dias difíceis aqui dentro e toda vez que eu fecho os meus olhos, ás vezes lembro de algumas cenas, não consigo dormir, e fico sentindo a saudade entrar e ficar.

O que eu vou escrever aqui é além de pessoal, doloroso e talvez um gatilho para alguém, só tome cuidado, quando estiver lendo.


Quando eu acordei naquele sábado, eu acordei com vontade de brigar, porque queria dormir mais. Mas acordei com você passando mal, e o pai pedindo pra eu te levar no hospital, eu nem sabia o que fazer, meu coração saía pela boca, você estava tendo um AVC, estava nítido. No caminho do hospital, você como sempre, rindo, rindo porque você não tava conseguindo sentir o seu lado direito, e isso me assustou, mas eu ri, para que esse caminho continuasse um pouco mais leve. Cheguei ao hospital, e nem vi aonde eu estacionei, já entrei pegando uma cadeira de roda e falando para a recepcionista que era urgente.
Você foi levada para a triagem e de lá para dentro do hospital, era começo da pandemia, eu não podia entrar. Eu não sabia o que fazer, meu irmão chegou logo depois e ficamos esperando. Quando o médico chamou, o meu irmão foi eu estava morrendo de medo, e quando ele voltou chorando, eu simplesmente despenquei: O médico achou uma massa no cérebro dela, uma massa perigosa e ela precisa fazer uma cirurgia urgente. Eu não queria acreditar naquilo que foi falado, quando te vimos de novo, você estava rindo, tranquila, falando: confio nos médicos, vamos fazer a cirurgia. O médico explicou o que poderia ser para a gente, sem a minha mãe, minhas pernas bambearam: câncer, tumor, quimioterapia, minha cabeça rodeava, o que está acontecendo?
Você foi internada no mesmo dia, meu pai ficou com você a noite inteira, e a sua cirurgia foi marcada para o dia 1 de abril, uma cirurgia pesada de 6 a 8 horas e a gente muito apreensivo com tudo. Quando você saiu da cirurgia, o médico disse que você estava bem, já acordou falante e muito bem. Ficamos aliviados, mas o choque foi depois, o médico confirmou mesmo sem a biópsia, que era um câncer maligno, Glioblastoma, tumor comum e que cresce rápido, o médico não poupou a gente da verdade, e falou tudo. Mesmo assim, deixando a gente tranquilos sobre os tratamentos. Nós não íamos cair agora, íamos buscar os melhores que a gente conseguisse. A recuperação da cirurgia foi difícil e ao mesmo tempo boa, ver você andar devagarinho, ver você feliz, sorrir, era um alivio pra gente, mas por dentro, nós estávamos quebrados, quantas vezes eu me tranquei no quarto pra chorar, quantas vezes peguei o carro só pra dar uma volta e eliminar toda a tristeza e toda aquela raiva que eu sentia. Você estava melhorando, o médico foi um querido, nos mostrou porcentagens e coisas que nos fizeram crer que logo você estaria curada.

O dia que você raspou o cabelo, foi assustador, primeira convulsão + crise de ansiedade, chamei a ambulância, não conseguia ficar perto de você, e quando a ambulância foi embora, você estava dormindo que nem um anjo. Os dias que antecedia o começo do tratamento foram ótimos, as nossas noites de conversa, e todo o amor que podia dar pra você! Estávamos conversando eu e você, sobre a vida, e você olhou pra mim e disse com os olhos marejados: deixa eu ser sua mãe, deita aqui, me fala o que vc tá sentindo. Eu desabei, em todos esses dias, eu tentei ser forte, a pessoa mais forte que eu imaginei que seria, mas eu estava com muito medo, aterrorizada, assustada, e eu deitei em você, chorei, chorei, chorei e ai voltei a ser a pessoa forte.

Dois dias depois, você começou a ter problemas mais sérios, o tumor estava crescendo novamente e impedindo a parte motora, 3 dias, foram os dias que nós tivemos com você, até tudo ficar escuro. Você foi caindo aos poucos, e eu sabia que aquilo você não estava gostando, você não queria dar trabalho. E eu sabia que você não queria isso, quando você começou a vomitar os remédios, não tinha como, precisava levar para o hospital urgentemente. Quando levamos pro hospital e você passou pela segunda cirurgia, nem imaginava que eu estaria perto de um dos momentos mais terríveis e dificeis da minha vida.

O médico foi certeiro como se tivesse com uma faca bem afiada no meu peito. “o tumor dominou o lado direito do cérebro, não podemos tirar mais, pode haver sequelas irreversíveis. Se ela acordar, ela vai acordar pelo próprio corpo, mas os dados são bem baixos.” Nós não sabíamos o que fazer mais. Na UTI você acordou, abriu o olho, viu meu irmão, sorriu e chorou. No dia seguinte, quando eu te vi, esperando uma reação melhor do dia anterior, eu cai em prantos, olhos fechados, aparência leve e serena, parecia que estava dormindo, sem os aparelhos, apenas com o oxigênio, eu falando com você, desesperada, pedindo pra você acordar, pedindo para que você milagrosamente ouvisse minha voz e acordasse, como acontecia em filme sabe.., eu sabia que você tava ouvindo, você chorou, suas lagrimas caiam no seu rosto. Eu peguei sua mão, dei um beijo e desejei muito que esse beijo fosse a mágica para que você acordasse. Os dias foram o mesmo na UTI, você não esboçava muita reação, a não ser quando te tocava ou mexia em você.

Alguns dias se passaram, e fomos chamados pelo médico novamente. Aquela salinha é péssima, sem nenhum aconchego, se iríamos receber uma notícia ruim, a sala já tinha esse clima. E ele nos fez ter a decisão mais horrível que podíamos ter: Voltar com os aparelhos respiratórios, ou seja, estado vegetativo, ou deixar o corpo agir conforme o que precisa agir. Quando chegamos em casa, desabamos, foi a pior decisão que podem colocar na mão de alguém, os três sentados no chão, chorando, e entendendo que precisávamos decidir, tomar uma decisão. Mesmo que a gente já tinha tomado, não íamos colocar aparelho nenhum, ela ia seguir o curso que precisava seguir. Foi o pior dia das nossas vidas, tudo ali, foi desesperador, e por mais que eu acreditasse demais que milagrosamente iria mudar, foi nesse dia que eu percebi que eu podia não ter mais você com a gente, comigo.

Você foi para o quarto, 3 dias depois, onde ficou em um sono profundo, só com o oxigênio, e o tubo de alimentação e xixi. A gente ia ver você e você estava serena, leve. Como que só esperando para ser levada. Contar para as tias, para a família tudo que estava acontecendo foi uma dor a parte, nenhuma delas aqui, por perto, todo mundo apreensivo e querendo estar perto de você. Eu me questionava muito, porque Deus está fazendo isso com você? Porque está fazendo isso com a gente? Porque? Eu me questionei porque essa demora para te levar, eu estava exausta, cansada, triste e dolorida,  machucada.

Mas agora eu sei que foi tudo parte pra você se despedir e para gente entender que era esse o caminho. Você foi embora desse plano, no dia 14 de maio de 2020, às 22:30. Quatro horas antes, eu estava lá no hospital, com receio de estar lá, e meu irmão insistiu: Fica, e amanhã eu venho aqui! Eu fiquei, mesmo que com um medo tremendo, talvez eu tinha medo de você ir embora comigo lá, eu não ia suportar. Chorei, peguei a sua mão, e rezei, respirei fundo, dei um beijo na sua testa e falei o que eu falava todo dia quando você foi internada. “o que você decidir, nós iremos apoiar. Amo você” e vim embora. Chorando, o caminho inteiro, quando cheguei em casa, tomei um banho, comi algo e fiquei vendo TV (Era a  única coisa que me fazia fugir um pouco). O igor me liga. O hospital ligou, a mamãe foi embora.

Eu não consegui chorar, eu simplesmente desliguei, esperando ele chegar. E esperando meu pai sair do quarto. Quando meu irmão chegou, choramos juntos, nos abraçamos e fomos para o hospital. Eu estava em choque, completamente em choque. Mas bem, porque sabia que tinha acabado o sofrimento de ambas as partes. Deixei meu irmão cuidar de algumas coisas, porque eu só conseguia era pensar, meu deus, aconteceu de verdade. O meu maior medo era de perder alguém que eu amo, e isso acabou de acontecer. Quando chegamos no hospital, não deixaram a gente ver você, eles já tinham tirado o seu corpo do quarto, meu pai pediu pra eu entrar e pegar as suas coisas no quarto, aquele hospital, que foi a nossa casa durante semanas, eu nunca gostei de hospital, hoje nem quero entrar em um mais. Quando entrei no quarto, a senhorinha que estava lá, super fofa, me olhou, e disse: ela foi em paz, sem dor, sem sofrimento, foi tranquila. Meu deus, como aquilo cortou meu coração, mas foi o que eu pedi pra Deus todos os dias que eu te visitava mãe, que você fosse em paz.

Meu irmão disse: precisamos escolher uma roupa pro velório, a minha cunhada foi comigo, eu olhava aquele guarda roupa, sentia seu cheiro nele, eu estava escolhendo uma roupa pra minha mãe usar no caixão. Existia uma cor que eu sempre falei que você ficava linda, vermelho, você era branquinha e o vermelho realçava sua pele e seus olhos, então foi a roupa que escolhi, o vestido vermelho que você sempre usou.

Quando chegamos no IML, meu pai estava completamente longe, meu irmão resolvendo o que precisava de caixão e a funerária, e quando o moço falou que eles estavam sem a pessoa que fazia maquiagem, eu fiquei com aquele receio de você não ter sido você naquele momento sabe? Eu entreguei o batom que você sempre usava e pensei, espero que não a mudem.

Eu sempre tive medo de velório, o único que me lembro foi de um tio meu, e ver no caixão, me dava arrepios. Nunca entrei em velórios, mas quando chegamos lá e vimos você, de vermelho, linda, serena, aquele cheiro peculiar de flores, eu chorei, eu passei a mão em você, gelada, nunca tinha colocado a mão em alguém morto, foi algo tão suerral, mas eu não conseguia sair de perto de você. simplesmente olhei você e não acreditava.

Fiquei lá com você por um tempo, nunca me imaginei fazendo isso, mas você mesmo na morte, me ensinando a ser forte. E as pessoas foram chegando, pessoas de todos os lados, porque você mãe, foi muito querida. Família, primos, amigos próximos, amigos do trabalho, foi um dia longo! Mas sabe, que agora lembrando, me deu alegria, ver tanta gente, tantas coroas de flores, tantas pessoas falando coisas boas de você, só confirmou o que eu já sabia: você era incrível mãe, para todos que puderam compartilhar um pouquinho da vida com você, foram muitos felizes.

Estávamos juntos. Fazendo que você desejou, ser cremada, a sua cerimônia, foi linda, como você queria. E eu agradeço por ter sido assim. Foi leve, linda e delicada, como você sempre foi. Quando o caixão foi levado pelos trilhos, eu não senti dor, eu senti alivio e senti amor, eu já amava você, mas depois eu amo MUITO mais. Os dias depois são borrões que foram ficando a cada dia que passava.

Eu não posso dizer que estou 100% curada do luto, sinto que talvez nunca estarei 100%. Sinto sua falta em todas as coisas que faço e em tudo que sinto! Sinto falta do seu abraço, do seu carinho, das suas brigas e de todas as coisas que a gente fazia juntas.

Eu sei que Deus preparou tudo como precisava ser, mas ainda não entendi muitas coisas sabe? eu não brigo mais com Ele por ter te levado pra perto, mas ainda sinto essa dúvida percorrer meu coração, porque sabe? eu ainda não entendi com tanta clareza, mas estou buscando esse entendimento todos os dias. Não tem sido fácil, mas eu sei que eu tenho que passar a isso, hoje eu sou a mulher que sou, por causa de você. Eu te amo mãe, eternamente!

E sempre te amarei, minha luz!

Eu amo essa foto, porque o seu sorriso sempre iluminou! Sempre me ilumionou!

Para você que leu até aqui, obrigada por ler, mesmo que não comente nada. Obrigada por me ouvir! <3

Alguém que gosta de colocar nas palavras o que sente, o que quer e o que vive. Palavras são só o caminho para um mundo com muita luz...

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5 Comentários

  1. Maíra, nem consigo imaginar a sua dor. Sinto muito mesmo. Estou com os olhos marejados, lembrando da partida do meu pai… Torço para que você e sua família fiquem bem e que tenham um Natal bonito e leve, cheio de amor e de lembranças lindas. <3

  2. Me peguei chorando junto com você conforme a leitura do texto avançava até chegar no final. Não importa se a gente não se conhece e eu não conhecia a sua mãe, eu senti de verdade a sua dor e sinto muito mesmo por isso tudo.
    Pela descrição a sua mãe parecia ter sido uma mulher incrível que alegrou a vida de todos que tiveram a sorte de conhecê-la. Obrigada por compartilhar um pouco desse sentimento tão lindo que existia (aliás, ainda existe) entre você e ela.
    Desejo de coração que você consiga ficar um pouco melhor com o tempo, tendo em mente que a sua mãe está muito orgulhosa da pessoa que você é.
    Muitas forças e luz na sua vida e na da sua família.

  3. Seu artigo foi muito importante para mim,
    o câncer é uma doença super difícil de presenciar, principalmente em família.
    O natal sempre me faz lembrar mais de quem perdi também, e foi bom saber que não estou sozinha.
    Obrigada!

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